quinta-feira, 22 de novembro de 2007

TRAFICANTES DE SEXO NEM UM POCO FRÁGIL: Elas são de cama, mesa e 'Boca-de-Fumo' (Parte II)

COM DINHEIRO E PRESTÍGIO, MAS LONGE DA LIBERDADE: Primeiras-damas do tráfico abrem mão da família para viver ao lado dos chefões.
Ser a preferida do chefe nem sempre significa ter a melhor vida numa favela do Rio. O privilégio de ser a escolhida tem um preço alto. Pode ser a liberdade, a segurança ou mesmo a própria familia. Para elas, o risco de viver com o dinheiro do crime pode não compensar o prestígio de ser a 'primeira-dama' do tráfico. Um dilema que é contado no livro "Falcão: Mulheres e o tráfico", de Celso Athayde e MV Bill.
Aos 21 anos, Sheila (nome fictício) decidiu não participar diretamente dos negócios do marido, chefe de uma favela da Zona Sul. Mas não consegue evitar a interferência do tráfico na vida da sua família. Devido ao risco, é obrigada a viver longe dos três filhos, não sai da comunidade onde cresceu e se submete às regras de segurança seguidas pelo dono do morro.
"Acordo todos os dias às 5h com medo de a policia invadir minha casa. Meu filho de 6 anos já me perguntou se o pai dele era o dono do morro. Chorei muito", disse Sheila, lembrando a tragédia que marcou sua família:
"O meu irmão entrou no crime popr causa do meu casamento. Começou dando recados, trazendo dinheiro para mim, até que se envolveu e morreu num tiroteio".
Elas podem se tornar prisioneiras dentro da própria casa. É o caso da Camila (nome fictício), filha única de uma professora, que se 'casou' aos 13 anos com o done de um morro da Zona Norte. Aos vinte anos, tem sua vida controlada pelo marido, que está na prisão. Seus passos são vigiados por um soldado do tráfico que a segue diariamente, até em passeios aos shopping. O marido teme a traição.
"Foi amor à primeira vista. Ele foi meu primeiro homem, meu primeiro amigo e é o único em quem confio. Uma vez, dessesperada, tentei me separar, mas fui agredida. Sei que estou presa a ele para sempre", disse Camila.
Muitas tentam manter duas vidas paralelas: enquanto desfrutam do dinheiro do tráfico, procuram recomeçar a vida. Eliane (nome fictício), de 20 anos, trabalhou por seis anos transportando drogas e armas, até que virou 'primeira-dama'. Agora, conseguiu um emprego como vendedora de carros.
"Tenho uma amiga que foi presa e está abandonada na prisão. O preço é alto; o pior é a vergonha".
TERMINOLOGIAS
- Primeira-Dama = É a mulher do chefe. Pode ou não se envolver nos negócios, dependendo do perfil de cada uma. Torna-se mais ativa se o marido está preso, participando das decisões. Por estar ao lado do dono, é respeitada e invejada. Mas não está sozinha: divide os benefícios do poder, como dinheiro e prestígio, cam as amantes.
- Lanchinho = São escolhidas esporadicamente pelos traficantes. São chamadas à noite ou de madrugada. Concorrem com as "marmitas", que são a última opção, escolhidas em 'emergências'.
- Menina-Batalhão = São conhecidas por se relacionarem com até seis 'falcões' ao mesmo tempo. Em troca, elas recebem dinheiro ou drogas, como cocaina e crack.
O PRIMEIRO CONTATO AOS 10 ANOS

O primeiro contato das meninas com os jovens traficantes pode acontecer aos 10 anos. Elas começam a se envolver com quem está nas posições mais baixas do tráfico, como 'fogueteiros' e 'vapores'. depois, procuram quem tem mais prestigio. O auge é ser escolhida a 'primeira-dama'. Se não for possivel, se contentam em ser as amantes.

"Ninguem no tráfico tem uma mulher só. Sempre fui a segunda, mas não me incomodava. Eu nunca briguei com a mulher dele (do chefão) e ela sempre me deixou em paz. Tinha raiva, mas precisava respeitar o que ele dizia. Ele era o amor da minha vida", disse Amanda (nome fictício), de 26 anos, que viveu com o dono de um morro por oito anos, até sua morte.

Mesmo sendo a segunda, Amanda também dividia com a 'primeirta-dama' os lucros do tráfico. Recebia por semana uma mesada que variava de r$ 500 a R$ 1.500, dinheiro gasto com roupas e nos bailes.

"Muitas saem com traficantes querendo ser a primeira-dama. Pensam que vão ter as mesmas roupas. No meu caso, sempre pensei que era a segunda, mas soube depois que podia ser a quinta ou a sexta", afirmou Amanda.

AS SUCESSORAS

Para Celso Athayde, que viu de perto as histórias dessas mulheres durante os oito anos de pesquisa para o livro, a tendência é o fortalecimento delas no tráfico:

"Em um futuro próximo, elas devem se tornar sucessoras dos seus maridos, que vão presos ou são mortos. Isso só não acontece em grande escala, hoje, porque a maioria evita que as esposas entrem na criminalidade. Têm medo de serem abandonados nas cadeias".

ALGUNS TRECHOS DO LIVRO "FALCÃO: MULHERES E O TRÁFICO"

* "A minha era gostosa, bonita e arrumada. Uma verdadeira mulher de patrão. Mas não parecia diferente das outras minas do asfalto que se envolviam com os amigos do morro. Mas era melhor não comentar o assunto. Por causa de mulher, bandido mata até a mãe".

* "O enterro não foi diferente: várias mulheres choravam no caixão. Pelo desespero, acho que todas eram mulheres do falecido".

* "Ela disse que as amigas sempre vinham para o baile da favela, que aquele ambiente mágico acabou seduzindo todas. De tanto irem a favela, conheceu o 'amigo'. Daí, ela passou a integrar o seu harém".

* "Eu matei meu irmão. Minha mãe mandava ela vir atrás de mim. Eu não queria voltar e ele foi ficando por aqui. Conheceu uma menina e não voltou mais para casa. Acabou morto num tiroteio".

* "A loura estava em, todos os bailes. Era a responsável pelos contatos com os DJs, os grupos e as equipes. Ela contratava, pagava e reclamava. De foliona, se tornou a rainha do carnaval".

Ana Cláudia Guimarães

Eduardo Auler

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