DEPENDÊNCIA QUÍMICA E PERSONALIDADE
"A personalidade, como se concebe atualmente, é um padrão complexo de características psicológicas, normalmente inconscientes e difíceis de mudar, que se expressam automaticamente em quase todas as áreas de funcionamento do indivíduo. Esses traços, intrínsecos e gerais, surgem de uma matriz de determinantes biológicos e constitucionais, somados a elementos da aprendizagem que, em última instância, conferem à pessoa o padrão de perceber, sentir, enfrentar, comportar e se relacionar com a realidade" (Ballone, 2005).
"A idéia de Transtorno de Personalidade supõe uma variante mórbida desses traços de caráter, que vão além ou aquém daquilo que normalmente apresenta a maioria das pessoas. Entretanto, só quando esses traços são inflexíveis, desadaptados e causam algum prejuízo funcional significativo, ou algum mal estar subjetivo, é que constituem um Transtorno da Personalidade" (Milom, 1998).
Os Transtornos de Personalidade e a comorbidade a eles associada, entre elas o muito freqüente consumo de substâncias, formam um terreno onde tanto as neurociências como a psicopatologia têm um grande campo de investigação. Um dos principais pontos dessa investigação tem sido a busca de uma característica adictiva entre os traços da personalidade dos pacientes.
Quando tentamos relacionar o abuso de substâncias psicoativas ou dependência química com Transtornos de Personalidade, predominantemente estamos pensando no adolescente, no jovem e/ou no adulto jovem.
A classificação para os tipos de comportamentos problemáticos, possivelmente decorrentes de Transtornos de Personalidade, é a de Transtornos Comportamentais Disruptivos. Entre esses Transtornos Comportamentais Disruptivos estão o Transtorno Desafiador e de Oposição, e o Transtorno de Conduta. Ambos apresentados ainda na infância e considerados comportamentos anti-sociais.
Os desvios comportamentais com predileção para a agressividade, irritabilidade e oscilações do humor, tal como existem nos Transtornos Comportamentais Disruptivos, descrevem desvios das normas. Pesquisas atuais têm observado uma forte ligação entre esse tipo de comportamento e a inclinação para o uso de drogas ilícitas.
Além dos transtornos por uso de substâncias, há outros transtornos conhecidos com características de comportamentos compulsivos:
- Sexo Compulsivo
- Tricotilomania (*)
- Compulsão Alimentar
- Exercício Físico Compulsivo
- Jogo Patológico (*)
- Compras Compulsivas
- Cleptomania (*)
- Compulsão por Internet
- Piromania (*)
- Co-Dependência
(*)Transtornos de Impulso no DSM-IV
O termo impulso, de origem psicodinâmica, manifesta a disposição da pessoa atuar de forma a diminuir a tensão de um instinto.
Os Transtornos de Impulso (DSM-IV) formam um grupo diagnóstico heterogêneo com uma característica comum; a sensação de tensão ou ativação interior prévia, orientada a consumar a busca ao prazer, a gratificação ou a liberação. Todos esses transtornos têm como base comum o sintoma impulsivo intenso e mal adaptado ao qual a pessoa não sabe resistir.
Sintomas e Mecanismos em Comum Entre Comportamentos Compulsivos
- Disfunção Cognitiva - Obsessão Egossintônica
- Inversão da Escala de Valores Afetivos e Sociais
- Impulsividade e Compulsividade - Perda de Controle
- Recorrência Apesar das Perdas e Danos
- Relação Objetal Patológica
- Dependência Progressiva
- Tentativas Fracassadas de Parar ou Controlar
- Uso de Mecanismos de Defesa: Negação, Racionalização, Isolamento , Dissociação
TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE – DSM-IV
A Associação Norte-americana de Psiquiatria refere, no DSM IV, uma prevalência de 3% para os Transtornos de Personalidade em homens e de 1% em mulheres da população geral. Entretanto, essas porcentagens aumentam em populações clínicas, em geral até 30%, podendo chegar em determinados subgrupos populacionais como, por exemplo, entre os dependentes crônicos de substâncias psicoativas, até 92% (Dejong, 1993). As diferenças na incidência dos Transtornos de Personalidade entre pacientes dependentes químicos despertaram interesses em se relacionar essas duas condições.
"A associação entre o Transtorno Anti-social da Personalidade e o alcoolismo é a mais estudada. São pacientes com maior gravidade, portadores de dependências mais longas e severas, são mais jovens e com escassas relações afetivas" (Powel et al, 1982).
"Em relação à associação entre os comportamentos compulsivos e o Transtorno por Uso de Substâncias, existe uma importante porcentagem entre o álcool e o Jogo Patológico, ou entre o álcool e as compras compulsivas" (Saiz et al, 1992).
"Uma outra comorbidade com os Transtornos Anti-Social e Borderline é a labilidade de humor (do normal à irritabilidade e não da euforia à depressão). A agressividade impulsiva, freqüentemente associada à labilidade do humor pode ter, como conseqüência, uma síndrome associada a comportamento anti-social e, dentro dela, a dependência química" (Ballone, 2005).
Para Milom (1998), a relação entre o controle dos impulsos e os Transtorno de Personalidade é tão estreita que, durante muito tempo, os dois sistemas teóricos de classificação (CID.10 e DSM.IV) citavam a perda do controle dos impulsos como a primeira, de uma série de características, necessárias para classificar a gravidade do Transtorno de Personalidade.
Para Ballone (2005), podemos considerar o "craving", que é a pulsão incoercível para o consumo imediato da droga, como a conjunção entre os impulsos e a personalidade.
Essa dinâmica volição-personalidade se conceitua através de dois modelos; primeiramente, o modelo baseado na evitação dos efeitos muito desagradáveis da abstinência. Em segundo, o modelo baseado nos efeitos agradáveis associados ao consumo da droga. Ambos modelos compartilham princípios básicos comuns; a vocação do ser humano para a busca do prazer e para a fuga da dor.
Incidência de Transtornos da Personalidade em Dependentes Químicos |
Autor | Ano | % | Tipo |
Rounsavile | 1982 | 50% | Transtorno Anti-Social |
Woody | 1984 | 15% | Transtorno Anti-Social |
Khantziam | 1985 | 65% | Borderline, Anti-Social e Paranóide |
Regier | 1990 | 52% | Transtorno Anti-Social e o Transtorno Borderline |
Dinwiddle | 1992 | 68% | Borderline, Anti-Social e Paranóide |
Numberg | 1993 | 47% | Transtorno Anti-Social e o Transtorno Borderline |
Brooner | 1993 | 50% | Transtorno Anti-Social |
Verheul | 1995 | 22% | Transtorno Borderline |
Brooner | 1997 | 35% | * não especificado |
Bernardo | 1998 | 64% | Transtorno Borderline |
Sonne | 1998 | 68% | * não especificado |
MÉDIA | - | 45,2% | Transtorno Anti-Social e Borderline |
Referências Bibliográficas
- Ballone, GJ - "Dependência Química" - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2003
- Ballone, GJ - "Drogadicção e Personalidade" - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2005
- Dejong, CA; Vam Dem Brink, W; Hartevelde, FM; Vam Der Wielem, EG. "Personality disorders im alcoholics ande drug addicts". Compr Psychiatry 1993; 34: 87-94
- Girolamo G. de, Reich, JH. "Epidemiologia dos Trastornos mentais e dos problemas psicosociales: Trastornos da personalidade". Organização Mundial da Salud: Meditor; 1996: 67.
- Milom, T; Dawis RD. "Trastornos da personalidade". Más ala do DSM IV. Barcelona: Masson; 1998: 853.
- Negreiros, M.A. Aula ministrada no Curso de Pós-Graduação “Prevenção e Tratamento no Abuso de Substâncias". PUC-Rio, 15/09/2007.
- Powel, BJ; Pewick, EC; Othmer, DE; Bingham, SF; Rice, AS. "Prevalence of additional psychiatric syndromes among male alcoholics". J Clim Psychiatry 1982: 43: 404-7.
- Saiz J; Moreno, I; Lopez Ibor, JJ. "Ludopatia: Estudio clínico e psicoterapéutico-evolutivo de um grupo de jugadores patológicos". Actas Luso-Españolas de Neurol Psiquiatria 1992;20(4):189-197.
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