Especialistas Estudam Como a Mudança dos Hábitos Regulares de Vida, Que Incluem Horários de Sono e Refeições, Afeta o Organismo e Leva a Doenças - Mudança de horário das refeições por causa de uma dieta, alteração dos hábitos de vida por conta da aposentadoria, extensão da jornada de trabalho para ter um ganho extra: que impacto mudanças como estas causam no organismo? Pesquisas apresentadas no Congresso Mundial de Cardiologia, encerrado na quinta-feira, mostram que todo o organismo humano é controlado por ritmos biológicos regulares e que é preciso levá-los em conta até para ter sucesso no tratamento de doenças crônicas como a hipertensão.
"Assim como o funcionamento do organismo obdece a ciclos naturais, as doenças também estão sujeitas esta influência. Durante dez semanas, estudamos 557 hipertensos e descobrimos que a terapía foi mais eficiente no qurpo tratado com medicamentos que faziam efeito no início da manhã (quando a pressão aumenta mais depressa)", diz o farmacologista William White, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Connecticut, nos EUA.
Estudos como os de Connecticut comprovam uma tendência da pesquisa médica atual: a cronobiologia (ou estudo dos ritmos biológicos) pode aumentar a expectativa de vida e reduzir drásticamente os níveis de estresse. Os especialistas em cronobiologia alertam que mudanças de hábitos como trocar o dia pela noite ou deixar de fazer refeições nas horas costumeiras interferem nos mecanismos que controlam funções como a digestão, a respiração e até a renovação celular. Quando ocorrem tais mudanças, os primeiros sintomas são irritação constante, impaciência, insônia, sonolência diurna, distúrbios gastrointestinais e hipertensão arterial. O maior problema ocorre quando as pessoas mudam seus hábitos de uma hora para outra: neste caso, passam a viver sob estresse.
Foi o que ocorreu com o bancário José Carvalho, 28 anos. Ele trabalha, há seis meses, das 22h às 6h, mas não se habituou ao horário. Só aceitou a proposta de trocar o caixa pela compensação de cheques poara ganhar um pouco mais. Seu organismo, porém, rejeita a mudança.
"Estou ansioso e levo muito tempo para dormir quando chego do trabalho. Sinto fome em horários inusitados. Na semana passada, tive vontade de comer às 2h da madrugada. Meu intestino funciona de modo irregular", conta.
O estudante de Direito Fábio Rodrigues, de 23 anos, tem sintomas semelhantes. Ele dá aulas de inglês das 8h às 10h, corre para o estágio num escritório de Advogacia e vai para a faculdade à noite. São 14 horas de atividades, fora o tempo perdido no trânsito. Sua principal refeição passou a ser o jantar e só consegue pôr o sono em dia no fim de semana:
"Tenho dores de estômago. estou cada dia mais tenso, fumando cada vez mais", conta.
Relógio Biológico É Controlado Pelo Cérebro - Os sintomas de Fábio Rodrigues são semelhantes aos de Mariana Meirelles, alta executiva de um banco estatal, que está fazendo regime por conta própria. Ela quase nunca almoça e janta um prato de sopa. Isso desorganiza totalmente o relógio biológico, que estava acostumado a um padrão nutricional que, de repente, é perdido e pode levar a doenças como gastrite.
"Os alimentos têm qualidades específicas que garantem o equilíbrio do relógio biológico. As proteínas são o ponteiro da hora, os carboitratos são o ponteiro dos minutos porque queimam mais rapidamente e o dos segundos são as fibras. A pessoa que quer emagrecer deve combinar os alimentos, acertando os ponteiros para que o relógio volte a funcionar. Do contrário, terá uma insuficiência de vitaminas e minerais, gripes e anemias", diz o nutricionista Leonardo Haus, que atendeu recentemente um executivo aposentado, com o relógio biológico desequilibrado.
"Em casos de pessoas que se aposentam e têm todo seu ritmo de vida subtamente alterado, recomendo exercícios e uma dieta especial. No café da manhã, frutas, um pedaço de queijo, pão integral ou algo energético como o mel. Mas para regularizar o organismo é preciso ter um ritmo constante".
Segundo os pesquisadores, o relógio biológico é tão sensível que sofre influência até da variação de intensidade da luz durante o dia. O organismo humano trabalha em ciclos de 24 horas. É controlado por uma estrutura cerebral chamada núcleo supra-quiasmático do hipotálamo, que regula o funcionamento das glândulas endócrinas. Elas fornecem hormônios essenciais ao funcionamento orgânico e são também o principal centro de controle da ingestão de alimentos. Os ritmos produzidos pelos relógios biológicos são mudanças que se repetem em intervalos regulares. Algumas destas mudanças estão relacionadas ao horário do dia e, outras, à época do ano. O ciclo vigília-sono é um exemplo de ritmo biológico associado à hora do dia.
"O ser humano é diurno, adaptado para concentrar suas atividades durante o dia e dormir à noite. Por isso, a alimentação pesada à noite, por exemplo, pode causar problemas de digestão", diz a pesquisadora Lúcia Rotenberg, especialista em cronobiologia do Departamento de Biologia do Instituto Oswaldo Cruz (FioCruz).
Idosos Sofrem Mais Com As Mudanças - Uma das alterações mais conhecidas nos ritmos biológicos é o chamado 'jet lag', perturbação que acomete quem faz uma viagem atravessando vários meridianos e chega a um lugar com o fuso horário muitas horas atrasado ou adiantado. O cardiologista Cláudio Gil Araújo diz que há duas formas de tratar os efeitos deste problema:
"Quando a viagem é curta e a pessoa pretende ficar no máximo três dias, não deve alterar seus hábitos e os horários de dormir ou de refeições. Para períodos mais longos, deve-se fazer adaptação prévia. Um torcedor que viaje do Rio de Janeiro para Paris, na Copa, deve levar em conta que a cidade tem fuso horário adiantado quatro horas em relação ao Brasil. Ele deve, então, acordar uma hora mais cedo a cada dia, na semana anterior à viagem. Assim, ao chegar lá e acordar às 9h locais, 5h aqui, não estranhará a mudança. Cada hora de fuso exige um dia de adaptação".
Há duas formas de perturbar os relógios biológicos. A primeira é quando os sincronizadores (fatores que ajustam o relógio biológico ao ambiente, como o ciclo claro/escuro e o horário de trabalho) mudam mais rapidamente do que o organismo é capaz de acompanhar.
"Quanto mais duradouro o desajuste dos relógios biológicos, piores as consequências. Os problemas mais comuns são alterações de humor, sono, mau funcionamento dos intestinos e hipertensão. Os idosos têm maior dificuldade em ajustar-se às mudanças de horários", alerta Luiz Menna-Barreto, do Departamento de Fisiologia da USP, autor do livro "Cronobiologia: princípios e aplicações" (Editora Edusp/FioCruz).
Quando uma pessoa trabalha à noite, seus horários de sono são deslocados para a fase diurna, mas outros ritmos biológicos não se modificam instantaneamente.
"A melhor forma de os relógios biológicos funcionarem corretamente é ter hábitos regulares. Quando for preciso alterar esses hábitos, como passar a madrugada acordado, a rotina anterior deve ser retomada logo em seguida. A exposição em horários regulares à luz solar também mantém os relógios biológicos funcionando corretamente", acrescenta Menna-Barreto.
Alteração Na Rotina Causa Insônia. O hábito de dormir mal acelera o envelhecimento das células. Mudanças de fusos horários alteram o sono e uma das consequências é a insônia. Por sua vez, a noite de sono mal dormida impede que o organismo libere o hormônio do crescimento e esta substância é essencial para renovar os tecidos e produzir novas células ósseas e glóbulos vermelhos. Para combater a insônia, sem recorrer à pílulas de dormir, os médicos recomendam dormir na hora certa, reduzir o consumo de chá, café e álcool; evitar refeições pesadas à noite e controlar a ansiedade.
O endocrinologista Walmir Coutinho, autor do livro "Emagrecimento de A a Z" (Editora Ediouro) diz que dormir regularmente à noite estimula a liberação natural de hormônio melatonina, produzido pela glândula pineal do cérebro. Esta substância atua nos ritmos endócrinos, que controlam as secreções hormonais. Os níveis sanguineos de melatonina são dez vezes maiores durante a noite do que de dia.
Em casos especificos como, por exemplo, pessoas têm dificuldade de adaptação depois de viagens com mudanças de fuso horário, Coutinho diz que se pode receitar o uso de hormônio melatonina em pílulas. Mas ele critica o uso deste medicamento sem receita médica e sem controle.
"Quando usada por longos períodos, a melatonina interfere com a função dos ovários e dos testículos, podendo causar infertilidade", alerta o endocrinologista.
Quando os relógios biológicos funcionam mal, o sistema endócrino também fica desregulado. Se uma glândula edócrina produzir uma quantidade muito grande ou muito pequena de hormônio ocorrem doenças. Um dos problemas é a produção insuficiente de hormônios pela glândula tireóide (hipotireoidismo). Neste caso, os sintomas são apatia, aumento de peso e ressecamento da pele. Quanto maior a quantidade de um determinado hormônio em circulação no sangue, maior será seu efeito.
Antonio Marinho
Jornal O Globo
Rio de Janeiro/RJ
Domingo
03 de Maio de 1998
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