Sob qualquer ângulo que se encare o alcoolismo, a conclusão que se chega é sempre a mesma: o alcoolismo é um grave problema social e de saúde mental.
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1. É uma das enfermidades mais freqüentes no mundo ocidental;
2. Os resultados terapêuticos, de modo geral, são desanimadores;
3. As estatísticas de criminalidade, desajustes familiares, acidentes de trabalho e de trânsito, nos permitem apenas imaginar o sofrimento desses indivíduos, que com certeza não chegam a este extremo por vontade própria.
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Na história da civilização ocidental, a utilização do álcool sempre esteve presente e sempre com uma conotação moralista ou psiquiátrica. No "Código de Hamurabi" (imperador babilônico), as leis relativas ao alcoolismo e ao usuário eram pesadíssimas. Se o indivíduo era encontrado perturbando a ordem, bêbado, o mesmo era açoitado em praça pública. Se o mesmo reincidisse, era marcado com ferro em brasa e açoitado novamente. Se houvesse mais reincidências, poderia haver até pena capital, pois o mesmo não tinha serventia ao Estado. Se o usuário cometia qualquer tipo de crime sob efeito do álcool, o mesmo era sumariamente executado. Nas culturas clássicas grega e romana, o uso de vinho era generalizado e institucionalizado, apadrinhado por Baco, Deus do Vinho. Mas as leis vigentes sobre o uso abusivo também eram severas, podendo haver banimento, açoite, perda de bens (inclusive de família, que poderia ser vendida como escravos para pagar dívidas não pagas em função do alcoolismo), humilhação publica e até mesmo a pena capital. Nessas culturas (como na atual) o uso era estimulado, pois era um fator religioso (sacerdotes de Baco organizavam festivais com comida, vinho e sexo, para celebrar a dádiva dada pelo deus aos homens, chamados “As Bacanais”), nutricional (fazia parte da alimentação na cultura grega e romana) e social (a utilização de vinho em reuniões era altamente apreciado). Entretanto, a sociedade não perdoava os comportamentos desviantes dos usuários abusivos (diz-se que Nero mandou incendiar a parte pobre de Roma – a maioria das casas era de madeira – para que pudesse, bêbado, compor odes ao Deus Baco). Nos séculos seguintes, após a queda de Roma, o abuso era condenado pela Igreja e visto, ora como coisa do demônio ora como uma questão moral (o que acabou prevalecendo em toda era moderna). Na Idade Media, o alcoolista crônico era dito como louco ou possuído pelo demônio.
Até bem pouco tempo, o alcoolismo não era tido como uma doença, e sim como uma fraqueza de caráter e de degradação moral. Só a partir de 1956, a Associação Médica Americana (A.M.A.), o reconheceu como uma doença, apesar de ainda persistir certo preconceito moral. O Alcoolista Crônico é “um bebedor excessivo cuja dependência chegou a ponto de lhe causar transtornos em sua saúde física e mental, nas relações interpessoais e na sua função social e econômica” (SENTO Sé, Aurélio. CEAD/RJ, 2001). Tal definição é muito geral, variando de país para país, dependendo dos padrões sociais e culturais vigentes e do que seja considerado consumo excessivo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (O.M.S.),
“O uso excessivo de álcool é toda forma de consumo de bebidas que ultrapassa o uso social tradicional, ou que não está de acordo com os padrões vigentes dentro de uma determinada cultura”.
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A) EPIDEMIOLOGIA - O alcoolismo é de longe a mais freqüente das toxicomanias e responsável no Brasil pelo maior número das primeiras admissões em hospitais psiquiátricos. Ocorre com muito mais freqüência no homem do que na mulher. O início do alcoolismo (uso excessivo, pesado) é geralmente dos 20 (vinte) aos 24 (vinte quatro) anos, sendo raro nos adolescentes, apesar de ser observável o uso pesado e constante entre muitos, tratando-se nestes casos, de ocorrências alcoólicas episódicas, com participação de grupo da mesma faixa etária, havendo freqüentemente quadros de embriaguez patológica. O alcoolismo crônico é quase que inexistente nesta fase da vida.
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B) ETIOLOGIA - No estágio em que se encontram as pesquisas sobre o tema, parece provável que o alcoolismo resulte da interação de uma série de fatores sócio-culturais, fisiológicos e psicológicos.
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1 – Fatores Sócio-Culturais – O uso de bebidas alcoólicas é um dos costumes sociais mais arraigados e difundidos da civilização. A presença do álcool é quase obrigatória nas reuniões sociais. Segundo C. Horton (antropólogo norte-americano):
“O valor social do álcool é, principalmente, como redutor de ansiedade, existindo ainda os valores acessórios: papel alimentar, facilidade de produção, custo baixo, etc”.
Ele baseou seus estudos em 56 (cinqüenta e seis) sociedades primitivas, onde os estados de embriaguez foram vistos com mais freqüência naquelas que estavam submetidas a um grande “stress”. A atitude que cada cultura tem em relação ao consumo de bebidas pode facilitar ou dificultar a incidência do alcoolismo em seus membros. Acredita-se que as características sociais de grupo com baixa mobilidade alcoólica permitem compreender como as atitudes sociais podem influir na incidência. As características são: pouca pressão social para beber, desaprovação e sanções contra os que bebem em excesso, ao lado de uma atitude positiva ao uso moderado, cujas pautas de consumo estão bem reguladas nos costumes do grupo.
2 – Fatores Psicológicos – Os alcoolistas são indivíduos solitários, apesar de sua aparente sociabilidade. São incapazes de estabelecer relações profundas e duradouras. São geralmente dependentes, e constantemente, escolhem mulheres superprotetoras. Têm pouca tolerância à frustração, por isso necessitam que seus desejos sejam realizados. Muitos apresentam problemas de natureza sexual, sobretudo, impotência. São muito agressivos. Como grupo, apresentam uma elevada taxa de suicídio e uma evidente despreocupação pela saúde física.
3 – Fatores Fisiológicos – Embora teorias postulem a existência de fatores metabólicos, ou alérgicos na base da dependência do álcool, parece hoje que isso seja resultante de deficiências nutritivas do abuso crônico de bebidas.
4 – Fatores Genéticos – Há evidências clínicas e experimentais de que fatores genéticos desempenham papel importante na formação do alcoolismo. Pesquisadores já mostraram, por exemplo, que a incidência de dependência ao álcool era duas vezes maior em familiares de alcoolistas do que na população em geral. No entanto, em relação a esses pontos de vista, há a critica de que a maior incidência em familiares pode refletir não a existência de uma transmissão genética, mas de uma “transmissão” familiar pela convivência.
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C) ASPECTOS CLÍNICOS:
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- A Embriaguez Comum -
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Fase Inicial - Pela absorção do álcool surge uma sensação de calor devido a vasodilatação periférica e uma diminuição de sensibilidade dolorosa. O comportamento se torna mais desinibido, os movimentos mais fáceis e espontâneos, o que dá uma falsa sensação de confiança. Logo há uma ligeira obnubilação (turvação da visibilidade dos objetos e estado de confusão mental), diminuição de atenção, concentração e memória, excessivamente distraído e fazendo associações de idéias superficiais. Com a diminuição do juízo crítico, o indivíduo se torna falador, eufórico e inconveniente. Às vezes, ao contrário desse quadro de hipomania, surge um conteúdo depressivo de autocompaixão, lamentações e pedidos de apoio.
Fase Intermediária - O pensamento torna-se confuso e as perturbações físicas são evidentes: fala pastosa, alteração no sistema locomotor, irritabilidade e crises de agitação psicomotora. Na maioria das vezes, não há recordação desta fase.
Embriaguez Avançada - O sujeito não consegue mais se sustentar e cai, adormecendo num sono comatoso de várias horas, que excepcionalmente evolui para a morte, a não ser que a quantidade ingerida tenha sido muito grande ou exista alguma patologia. Nesta fase aparece o “suor de álcool”, semelhante ao de acetona, característico dos usuários abusivos, principalmente no dia posterior de uso. Os reflexos profundos podem estar ausentes; torna-se necessário à hospitalização e um diagnóstico diferencial cuidadoso, pois podem advir outras complicações orgânicas.
A Embriaguez Patológica – Forma especial de embriaguez, que surge como reação patológica aguda, mesmo com a ingestão de uma pequena quantidade de álcool, e em pessoas que não bebem excessivamente ou mesmo abstêmias. Sua causa não é bem conhecida, mas fala-se na predisposição e uma peculiar intolerância ao álcool. O quadro se inicia bruscamente com turvação da consciência, assemelhando-se muitos aos equivalentes epiléticos. A turvação de consciência se associa a um estado de agitação psicomotora, um “raptus” impulsivo violento, com agressividade cega. Outras vezes, surge um estado crepuscular alucinatório que se assemelha a um pesadelo, com relatos de perseguições e infidelidade. Deve-se temer neste estado, impulsos homicidas e suicidas, que podem culminar em atos de extrema violência.
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D) PSICOSES ALCOÓLICAS:
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A. Delirium Tremens – Quadro psicótico que pode ser desencadeado por uma série de fatores, como a súbita interrupção ou redução na ingestão de bebidas alcoólicas, infecções intercorrentes, traumatismos, etc. Inicia-se por sintomas prodômicos de caráter sub-delirante, habitualmente durante o sono.
“O individuo acorda muito ansioso, vê vultos ameaçadores e figuras de animais destacando-se na escuridão”.
Estes fenômenos ilusórios e alucinatórios são, no início, isolados, havendo uma certa consciência de seu caráter pseudoperceptivo. Sobrevêm, rapidamente, tremores generalizados, grande inquietação motora e alucinações visuais:
“Animais que passam pela sua cama ou sobre a pele, bichos monstruosos ou vultos humanos de feições distorcidas”.
Fisicamente, o indivíduo está desidratado e com leve hiperdermia. Nos casos mais graves, por colapso cardiovascular e infecções subseqüentes, o desfecho é fatal. Sem interferência, o quadro termina em cerca de uma semana. Mas em determinados casos a evolução é menos benigna, sobretudo depois de vários episódios semelhantes.
B. Alucinose Alcoólica – Sua principal característica é a presença de um delírio persecutório calçado nas alucinações auditivas. Este quadro alucinatório e delirante se desenvolve num estado de consciência lúcida ou bastante próximo da lucidez. Sua evolução é benigna e há remissão dos sintomas num prazo de uma semana.
C. Psicose de Korsakoff – A síndrome pode aparecer insidiosamente ou após um ou mais episódios de “Delium Tremens”. De início há um leve quadro confusional, sonolência, inércia e apatia, com desorientação no tempo e no espaço. Semanas ou meses depois de tais sintomas, o doente fica lúcido, com pensamento mais coerente. Sobrevêm então, a amnésia de fixação, principal sintoma da síndrome. Com o decorrer do tempo, no entanto, as lacunas de memória se tornam mais ou menos extensas, dando lugar às fabulações (outra característica da síndrome).
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E) FASES DA DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA:
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Fase Pré-Alcoólica – O álcool é usado para alívio de um sintoma qualquer: timidez, tristeza, angústia, cansaço, etc. buscando-se situações que lhe permitam beber. Inicialmente lança mão deste recurso de modo ocasional; depois sua tolerância reduz-se bastante, e ele precisa beber mais freqüentemente. É no decurso desta fase, que se estabelece a tolerância ao álcool, o que leva à necessidade de um aumento das doses para se obter o mesmo efeito.
Fase Prodrômica – Já há um certo grau de comprometimento orgânico do cérebro com uma Amnésia Lacunar (sem que tenha embriagado ou sem haver perturbações da consciência, ele só recorda, de um modo muito vago, do conteúdo das conversas ou de seu comportamento). Aqui, o indivíduo já toma consciência de sua dependência. Bebe às escondidas, evita falar sobre o álcool e procura saber, se for alguma reunião, se haverá bebida.
Fase Crucial – É a “perda de controle”. Após a ingestão da menor quantidade de álcool que seja, o sujeito não consegue mais parar de beber. Já há uma dependência física. Há uma nítida diminuição da auto-estima e da potência sexual, com sentimentos de desconfiança e ciúmes patológicos da parceira(o) sexual. São freqüentes brigas e agressões. A embriaguez se faz geralmente à noite, como luta contra a perda completa do seu papel social.
Fase Crônica – A fase se inicia com a ingestão matinal do álcool. Surgem os estados de embriaguez prolongada, com deterioração mental rápida. A memória, a inteligência, a atenção, a compreensão e o julgamento estão alterados. É comum o aparecimento de pseudopercepções, sobretudo ilusões e alucinações elementares. O sono torna-se sobressaltado, os sentimentos embotados e grosseiros. Surgem tremores constantes e incoordenação motora.
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F) FASES DO ALCOOLISMO CONHECIDAS POPULARMENTE:
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1ª Fase: Fase do Pavão – Se considera lindo e acha que todos o consideram como tal;
2ª Fase: Fase do Macaco – Se considera muito engraçado. Apesar de ser muito alegre e as pessoas quererem estar sempre perto dele, começa a ser inconveniente;
3ª Fase: Fase do Leão – Começa a ser agressivo após a ingestão de determinada quantidade de álcool;
4ª Fase: Fase do Porco – Relaxa com sua aparência, não se importando em tomar banho e outras práticas básicas de higiene;
5ª Fase: Fase do Rato – Fase do roubo da confiança dos mais próximos, destrói seus relacionamentos mais íntimos, sem conseguir impedir;
6ª Fase: Fase do Lençol – Fase de internações em hospitais por motivos clínicos ou mentais. Caso não consiga entrar em recuperação, morte em decorrência de múltiplas ocorrências derivadas do uso de álcool.
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G) AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL - A primeira parte do SNC afetada pelo álcool é o Córtex (responsável pela coordenação das funções de sensação, percepção, fala e julgamento). Os efeitos do álcool nessa área do cérebro são perceptíveis pelo falar arrastado e pela diminuição da capacidade lógica (erros de julgamento). A segunda porção afetada é o Cerebelo. Localizado na parte posterior do crânio, esse órgão é responsável pela coordenação motora e pelo equilíbrio. Tropeçar, cair e perder a habilidade para segurar um fósforo acesso ou se manter num pé só, são manifestações visíveis da ação do álcool nessa área do SNC. O Sistema Límbico (área do cérebro localizada acima do Córtex e responsável pela memória, pelas emoções e pela sexualidade) é a terceira parte do SNC a ser afetada pelo álcool. Nessa etapa, a pessoa geralmente perde o controle de suas emoções. Os efeitos no Sistema Límbico podem se manifestar em várias formas de comportamento – do impetuoso ao lascivo, do deprimido ao desesperado, do irritado ao violento – todas marcadas pela diminuição dos controles emocionais e racionais. Embora o álcool deprima o metabolismo do corpo, ele freqüentemente parece agir como estimulante. Isso ocorre porque ele diminui a capacidade de julgamento e o controle emocional, ao anestesiar as áreas do cérebro responsáveis por essas funções. Pode-se dizer que o álcool diminui as inibições, permitindo que o indivíduo “se solte”. Mas na prática, o desempenho de indivíduos alcoolizados é intelectualmente fraco e fisicamente problemático, atestando a diminuição real de suas capacidades.
Intoxicação Aguda – A continuidade da ingestão do álcool pelas pessoas embriagadas produz efeitos crescentes no cérebro e atinge outras funções mais profundas. Depois de uma certa dose de álcool, a pessoa geralmente perde a consciência, adormece ou desmaia. Estas reações têm efeito protetor, impedindo o indivíduo de continuar a beber. Se a pessoa continua a tomar álcool sem perder a consciência, pode elevar a dose dessa droga no cérebro a um nível perigoso, capaz de provocar coma e morte. Como acontece com outras drogas, o álcool é mortal em doses excessivas, embora o grau de resistência varie de indivíduo para indivíduo (tolerância). A morte por coma alcoólico é geralmente causada pela paralisação dos movimentos involuntários do coração e do diafragma, devido à inibição que o álcool provoca nos centros nervosos responsáveis pelos movimentos cardíacos e respiratórios. O comportamento dos indivíduos altamente embriagados pode ser semelhante ao dos intoxicados com outras drogas: violência física, atitudes inconvenientes, etc. Como o álcool aumenta a autoconfiança e diminui as habilidades, o usuário dessa droga torna-se em geral incapaz de julgar o que pode ou, não pode fazer. Isso leva as pessoas a se julgarem competentes para desempenhar tarefas além das suas habilidades. É o que ocorre com muitos adolescentes que procuram criar coragem para dirigir carros com a ajuda de bebidas alcoólicas.
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H) ASPECTOS SOCIAIS DO USO INDEVIDO - Em todo mundo e em todos os tempos, os homens têm aproveitado o fenômeno da fermentação dos açucares como produtor de bebidas que causam prazer por seu sabor e também por seus efeitos. Isso explica o ato de beber, que se tornou parte de rituais sagrados, pois se trata de compartilhar de uma substância que o homem vê nascer, como uma dádiva da natureza. Beber em honra dos Deuses é um dos ritos agrícolas mais antigos da humanidade. Se os deuses mudaram ou desapareceram, o ritual continua quase o mesmo nas modernas sociedades. O ato de beber está ligado a homenagens e a encontros sociais. O álcool é hoje, instrumento de rituais para abrir o apetite, estimular uma conversação, inspirar bons sentimentos, propiciar boa sorte e inspirar coragem. Em quase todo mundo é costume beber lentamente, em pequenos goles que permitam apreciar a bebida, intercalando-a com conversação e outras atividades relaxantes e agradáveis. O ritmo lento da ingestão de álcool é um costume social enraizado nas tradições do beber, que corresponde à uma realidade física do corpo humano. Bebendo-se lentamente ingere-se menor quantidade de álcool num maior espaço de tempo, permitindo a destruição dessa substância pelos filtros naturais do organismo, sem dar-lhe tempo de retardar e danificar o metabolismo de importantes órgãos, como o cérebro e o fígado.
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I) OS PERIGOS DO ABUSO - Num usuário moderado, uma quantidade razoável de álcool geralmente provoca reações físicas (como vômitos e desconforto) e de comportamento (a pessoa fala alto, adota atitudes inadequadas para as circunstâncias vividas, torna-se agressiva, amorosa, excitada ou deprimida). Num usuário abusivo, o álcool, mesmo em grande quantidade, não parece provocar repentinas reações físicas ou de comportamento, embora o efeito do abuso constante seja, em geral, visível na degenerescência física e intelectual da pessoa ao longo do tempo. Conclui-se daí que, o uso constante do álcool pode ser fatal para o indivíduo, prejudicando-o no aspecto físico e social. Como as fronteiras entre o abuso esporádico e o constante variam de indivíduo para indivíduo, qualquer abuso de álcool deve ser condenado pelos profissionais de saúde. Mas isto não é suficiente para impedir o homem de abusar. Os alcoólatras sabem que o uso prejudica-os, mas muitas vezes não querem ou não conseguem se absterem.
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J) INFLUÊNCIAS SÓCIO-CULTURAIS - A existência da indústria de bebida, com suas conseqüentes estratégias de marketing e publicidade, certamente induz as pessoas a fazerem do uso do álcool, pelo menos em festas e ocasiões especiais. O álcool existe, é enaltecido pela publicidade e encontra-se à venda em qualquer lugar das cidades. Isso facilita a adoção dessa droga nos rituais sociais e cria grupos de pressão, principalmente entre os jovens. Mas o uso do álcool é também influenciado por fatores religiosos, morais, étnicos e familiares.
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K) O ÁLCOOL E OS ADOLESCENTES - É particularmente importante saber os motivos que levam os adolescentes a abusar do álcool, pois a maior parte dos alcoólatras começa a beber nesta fase de suas vidas. Também a maior parte dos incidentes ou casos de violência ligados ao uso da bebida ocorre entre os jovens. Período do desenvolvimento dos indivíduos, ela marca a transição da infância para a maturidade e é caracterizada pelo aumento de liberdade e por maior mobilidade social, exigindo o rápido desenvolvimento de habilidades em muitas áreas. Os adultos começam a esperar atitudes mais responsáveis por parte das pessoas que deixam de ser crianças. Os próprios adultos esperam que os adolescentes os imitem. E imitar o comportamento dos adultos também inclui beber.
Nos paises industrializados, o álcool começa a ser utilizado por homens e mulheres à medida que adolescência avança. Pesquisas demonstram que os jovens começam a beber cursando o primeiro grau (mais ou menos dos 12 aos 15 anos). Nessa faixa etária, praticamente todos os jovens já terão experimentado algum tipo de bebida alcoólica e muitos conheceram o estado de embriaguez. Estudiosos do alcoolismo afirmam que existem cinco razões principais que levam um adolescente beber:
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1. O Modelo dos Adultos – Como os adolescentes querem ser adultos, eles imitam os mais velhos e dão especial atenção às formas pelas quais estes últimos obtêm prazeres, que lhe parecem mais intensos que os das crianças (jogos, brincadeiras, etc). O prazer dos adultos é mais “pesado” e inclui sexo, bebidas e outras coisas proibidas às crianças. Por isso, os adolescentes são inclinados a imitar os pais, outros parentes e heróis da televisão, do rádio, do cinema ou dos livros. É comum um adolescente dizer que começou a beber porque viu que isso era um hábito de alguém que ele admira.
2. Curiosidade e Experimentação - Geralmente as crianças conhecem as bebidas alcoólicas por vê-las sendo consumidas pelos adultos em eventos sociais ou festas familiares. Muitos adolescentes sentem curiosidade de experimentar o sabor da bebida que eles vêem os outros ingerir. Além de experimentar o sabor, os adolescentes são curiosos e querem explorar os efeitos da bebida, por meio do abuso. Inconscientemente, eles querem saber como é estar embriagado ou intoxicado.
3. Pressão dos Colegas – Todos os grupos de humanos são suscetíveis à pressão social, que determina os padrões de comportamento de seus membros. Mas os adolescentes formam grupos especialmente suscetíveis a esse tipo de pressão. Para muitos garotos e garotas, seguir a moda pode ser uma necessidade, assim como gostar de certos tipos de música. Nesse estágio, eles se encontram psicologicamente imaturos para exercer o senso crítico e a capacidade de julgamento, absorvendo influências sem refletir sobre elas. Se beber está na moda entre determinado grupo de adolescentes, poucos serão dotados de segurança e senso crítico suficiente para censurar a bebida ou simplesmente se recusar a beber. Assim, em vez de encarar a força de vontade como uma realidade ou virtude, os adolescentes, em certas circunstâncias, a vêem como uma fraqueza em relação ao grupo social de que eles querem participar.
4. Prazer – A crença de que uma reunião social possa não ser agradável sem que inclua consumo de álcool é comum em nossa sociedade. Muitos adolescentes acham que beber os estimula para a diversão e para o namoro. Garotos e garotas incluem bebidas alcoólicas em festas, idas ao cinema ou ao jogo de futebol como elementos favoráveis ao prazer. Trata-se de um mecanismo cultural que identifica o álcool com prazer e que deve ser desmascarado, pois a maioria dos prazeres é usufruída de forma mais intensa sem os efeitos retardadores de metabolismo característicos do álcool.
5. Problemas Emocionais – Um dos efeitos imediatos do álcool é o de tranqüilizante ou de causador de euforia e bem-estar. Um indivíduo que esteja enfrentando momentos de tensão, nervosismo, conflitos com a família ou com os amigos pode entregar-se ao álcool para suprimir temporariamente a depressão, a ansiedade e os sentimentos de medo. Na maioria dos casos em que as pessoas começam a beber por razões emocionais, seus problemas se agravam em vez de serem resolvidos. Uma das principais demonstrações de autocontrole diante de problemas e de determinação em resolvê-los é não recorrer às bebidas alcoólicas para fugir de momentos aparentemente difíceis.
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L) ESTUDOS SOBRE AS POSSÍVEIS RAZÕES DO ALCOOLISMO - O alcoolismo é definido pelos médicos como “consumo de bebidas alcoólicas em excesso”, que constitui uma patologia crônica, tanto comportamental quanto fisiológica. A compulsão pelo álcool característica dos dependentes é anormal, e a dependência afeta sua saúde, física e/ou mental. Assim como muitas outras doenças, o alcoolismo é causado por uma interação de fatores biológicos, patológicos, psicológicos, sociais e existenciais, entre outras:
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Fatores Biológicos – A ocorrência de alcoólatras em uma família não prova que o alcoolismo seja hereditário. Membros dessa família podem ter aprendido a beber simplesmente observando os outros beberem. Mas algumas pesquisas recentes parecem indicar a existência de fatores hereditários que levam ao alcoolismo. As pesquisas na área da genética e do comportamento quimicamente herdado dos pais, ainda estão engatinhando, mas há quem afirme existir uma predisposição genética para o alcoolismo em certos indivíduos. Essa predisposição, entretanto, não chega a ser uma determinante do comportamento, pois é passível de controle através do senso crítico e do livre arbítrio humanos.
Fatores Patológicos – Relacionada à "Teoria da Predisposição Genética", a "Teoria dos Fatores Patológicos" encara o alcoolismo como uma doença desde o século XIX. Em 1960, E.B. Jellineck, cientista pioneiro na pesquisa sobre a dependência do álcool, fez uma lista classificando diversos tipos de alcoolismo. Para esse estudioso, dois tipos de alcoolismo podem ser caracterizados como doença: o Gama e o Delta. Ambos os tipos de alcoolismo caracterizam-se pela tolerância que o organismo desenvolve ao álcool, assim que o uso se torna contínuo. Por meio da tolerância, o corpo desenvolve defesas contra a droga ou se acostuma a ela, obrigando o dependente a usar maiores doses do que no início da dependência. Outra característica comum ao alcoolismo Gama e ao Delta, é a adaptação metabólica que faz com que o corpo seja capaz de alterar seus processos de metabolismo para adaptar-se à presença do álcool. O alcoólatra tipo Gama se caracteriza pela inabilidade (ou incapacidade) para controlar a quantidade de álcool ingerida, alternando períodos de continuas bebedeiras com fases de abstinência. Diferentemente, o alcoólatra Delta raramente é capaz de se abster da bebida e geralmente consome menores quantidades que o alcoólatra Gama. Ele geralmente consegue trabalhar, mas passa o dia – inclusive o período de trabalho – ingerindo pequenas quantidades de álcool. Segundo uma concepção popular, seriam doentes. De acordo com esse ponto de vista, o alcoolismo tende sempre a se agravar no indivíduo e pode levá-lo ao colapso físico e mental se a sociedade e as instituições não interferirem. Depois de entrevistar mais de mil homens alcoólatras, Jellineck encontrou graus de progressão na dependência do álcool que pareceram comprovar a opinião popular. Embora a tese de que o alcoolismo é uma doença progressiva seja amplamente aceita, essa teoria parece conter algumas falhas. Ele não leva em consideração àqueles alcoólatras cuja dependência não progride e não passa pelos estágios comuns a outros alcoólatras. Alguns alcoólatras também não desenvolvem os sintomas patológicos descritos por Jellinek. Além disso, a teoria da doença não explica porque alguns usuários pesados são capazes de reduzir seu consumo de álcool a um nível de moderação que deixa de lhes provocar danos. A teoria também não explica porque alguns usuários pesados conseguiram abandonar completamente a dependência do álcool.
Fatores Psicológicos – Por muitos anos, o alcoolismo foi explicado como resultante de desordens psicológicas. Os alcoólatras foram caracterizados como pessoas de personalidade problemática. Recentemente, contudo, os cientistas têm concluído que não existe uma personalidade característica do alcoólatra. Mas há evidências de que um número significativo de alcoólatras já enfrentaram problemas psicológicos antes de se entregar ao álcool. Casos de neurose megalomaníaca envolvendo narcicismo e frustração, paranóia e ansiedade crônica levam os indivíduos ao estado de stress que pode conduzí-los ao uso de bebidas. Pode-se dizer que os problemas psicológicos podem influenciar certos indivíduos e induzi-los ao uso do álcool. Outras pessoas com o mesmo tipo de problemas não se tornaram alcoólatras, evidenciando que a fuga através do álcool é uma das reações possíveis diante do stress. O problema é que a dependência do álcool intensifica os problemas psicológicos e se sobrepõe a eles em vez de resolvê-los.
Fatores Sociais – Dentre os fatores sociais que levam o indivíduo ao alcoolismo, destacam-se os seguintes:
* Pobreza – Está comprovado que o consumo abusivo de bebidas alcoólicas nos países industrializados é muito mais freqüente entre os pobres, os subempregados e os desempregados. Alguns estudiosos afirmam que o estado de embriaguez anestesia agruras físicas como a fome e a dor decorrente de doenças crônicas, comuns nessa população. Além disso, a embriaguez teria uma função anestésica moral, pois supre o indivíduo com o bem-estar que ele não consegue obter no sucesso profissional e na auto- afirmação. Sociólogos advertem que a bebida é uma forma barata e escapista de indivíduos sobreviverem em condições que eles próprios reconhecem ser sub-humanas.
* Competição – O stress decorrente da competição social (luta pela manutenção do emprego, políticas de ascensão, ansiedade quanto ao sucesso futuro e frustração) é um dos principais responsáveis pelo alcoolismo nas classes média e alta. Está comprovado, entretanto, que o álcool não resolve esses problemas, atenuando apenas momentaneamente seus efeitos e agravando suas causas. Tratamentos calcados em técnicas de auto-análise têm se mostrado eficazes para combater tendências de evasão, como o alcoolismo, decorrentes da competição.
* Aprendizado – A imitação dos outros e os fortes apelos da propaganda também fazem com que as pessoas “aprendam” a ser alcoólatras. Um dos componentes desse aprendizado é o prêmio (efeitos positivos do álcool), que cria um reflexo condicionado. Conscientizando-se dos efeitos negativos do álcool (mais numerosos e intensos que os positivos), a pessoa pode se descondicionar. Às vezes, é preferível reduzir as doses de álcool até um nível tolerável, para desfrutar apenas dos efeitos positivos da bebida e não experimentar embriaguez.
* Uso Ritual – Em festas e reuniões sociais, o uso de álcool se tornou um ritual de confraternização. A embriaguez nesses casos tem quase um apelo mágico. Constituindo-se na ilusão de que um estado de bem-estar e boa sorte podem ser obtidos por meio do álcool. Se souber se soltar, o indivíduo sóbrio certamente se divertirá mais que o bêbado. Se a pessoa não quiser beber álcool, pode participar do ritual social do “Copo na Mão” ingerindo refrigerantes ou água mineral. Essa pode ser uma estratégia para evitar o álcool e saborear a lucidez e a plenitude da capacidade de julgamento e do livre arbítrio.
* Fatores Existenciais – Outras razões profundas podem levar as pessoas ao uso de drogas como o álcool, como anestesiar o “desconforto de existir”. Esses fatores são chamados existenciais por implicarem uma dimensão filosófica da condição humana que envolve o sentido (ou o não sentido) da existência. Segundo filósofos como Sartre, "a conscientização de que a existência não tem sentido, gera sentimentos de profunda angústia e ansiedade (a “Náusea” existencial) que só podem ser superados se cada indivíduo eleger o sentido de sua própria vida, consciente de que a união de esforços com seus semelhantes, torna a existência mais fácil para todos".
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M) PREVENÇÃO E TRATAMENTO - A comunidade médica e os profissionais que cuidam da saúde mental encaram os problemas do alcoolismo sob três aspectos principais: prevenção, intervenção e tratamento.
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1. Prevenção – Não é, no caso de pessoas que não bebem ou que bebem moderadamente, para evitar que os indivíduos bebam, mas para que o problema do alcoolismo não venha ocorrer. A prevenção não condena o uso de bebidas alcoólicas, mas procura evitar o seu abuso.
2. Intervenção – Se dirige aos abusadores do álcool, cuja prática está causando evidentes problemas para eles mesmos, para outras pessoas ou para a sociedade e suas instituições. A meta é evitar que esses problemas se tornem mais grave para a pessoa e para a sociedade. Procura promover a conscientização das pessoas que enfrentam problemas devido ao abuso de bebidas sobre a relação existente entre a saúde, as relações pessoais, o desempenho no trabalho, muitas circunstâncias econômicas e o próprio abuso de bebidas. Deve ocorrer quando o uso da bebida começa a produzir conflitos com outras pessoas ou efeitos negativos na saúde física ou mental do alcoólatra.
3. Tratamento – Procura ajudar os alcoólatras a recuperar-se dos prejuízos da dependência e a livrar-se da própria dependência. A meta do tratamento é fazer as pessoas enfrentarem a vida de forma alegre, sadia e produtiva.
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Todas essas formas de prevenção, intervenção e tratamento incluem componentes pedagógicos, que consistem na aquisição de informações corretas sobre os efeitos do álcool, os motivos que levam ao uso e as maneiras de vencer o abuso de bebidas alcoólicas. Análises políticas e sociais apontam para a necessidade permanente de campanhas preventivas e de esclarecimento, pois o aumento anual do número de alcoólatras é maior que o número de pessoas tratadas com sucesso. Indivíduos das mais diversas profissões e categorias sociais se tornam alcoólatras, sem que haja um grupo de risco específico na sociedade. Isto quer dizer que os alcoólatras surgem de dentro da categoria das pessoas que não bebem ou bebem pouco. A necessidade da prevenção é também evidenciada pelo fato de que somente 20% dos alcoólatras crônicos conseguem se abster do uso. Os restantes 80% acabam reincidindo na bebida. Nos países industrializados, a prevenção tem sido realizada sob a forma de campanhas publicitárias veiculadas nos meios de comunicação. Essas campanhas, geralmente patrocinadas pelos governos, dirigem-se principalmente aos jovens. Em alguns países, é proibido veicular anúncios de bebidas na mídia eletrônica (televisão, rádio, etc) e na imprensa (jornais e revistas), dirigidas a todas as faixas etárias (horários nobre de televisão, por exemplo). Já existem até festivais de antipropaganda, premiando filmes que criticam produtos como cigarro, bebidas alcoólicas e até casacos de pele (estes últimos devido ao fato de sua indústria contribuir para o extermínio de muitos animais). Às vezes a intervenção acaba sendo realizada por instituições da sociedade, como a polícia, que detém um alcoólatra transgredindo alguma lei ou cometendo um crime. Pesquisas indicam que a intervenção violenta (internação forçada de um indivíduo numa clínica ou sua prisão por ele ter cometido um crime) é menos eficaz que as intervenções amigáveis, que convence a pessoa do fato da bebida fazer mal e a estimula a querer parar de beber.
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N) CONCLUSÃO - Na maioria dos casos, o tratamento do alcoolismo começa com a interrupção do ato de beber, de preferência sob supervisão médica. Esse processo é conhecido como desintoxicação, e normalmente, é de curto prazo. Dependendo do grau de comprometimento do paciente, pode-se interná-lo em uma clínica de reabilitação. O tratamento deve atacar problemas físicos e mentais ligados ao abuso de álcool. A terapia psicológica freqüentemente inclui aconselhamento individual e/ou em grupo. Algumas clínicas mesclam o tratamento com a filosofia dos Alcoólicos Anônimos. Em Aconselhamento, acredita-se que em um período inicial de tratamento (que pode ser de médio a longo prazo, dependendo do paciente), a abstinência é imperiosa. Nesta fase, os grupos de mutua-ajuda como Alcoólicos Anônimos e/ou Narcóticos Anônimos, assumem um papel de grande relevância, principalmente no que diz respeito à mudança de hábitos e formação de novo grupo de amigos. Isto irá colaborar para o fortalecimento de uma pressão social inversa à que existia de uso do álcool. O acompanhamento profissional (aconselhamento individual ou ambulatório de pós-tratamento) atua nesta fase como uma espécie de “censura critica”, trazendo sempre para o cerne da questão as conseqüências funestas do alcoolismo; mas o profissional nunca deve esquecer que o inverso da dependência não é a abstinência, mas a liberdade.
Fred Luiz M / Rosa Mª Tavares de Medeiros
Conselheiros em Dependência Química
Campos dos Goytacazes, 2006.
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