A palavra comorbidade foi criada por Feintein (1970) para referir-se a "qualquer entidade clínica distinta adicional que tenha ocorrido ou venha a ocorrer durante a evoçlução de um paciente cuja doença index esteaj sob estudo". O termo comorbidade deve ser utilizado apenas para descrever a coexistência de transtornos ou doenças (do latim: morbus), e não de sintomas. "Morbidade" refere-se ao fato de estar doente e os sintomas indicam a existência da doença. Os sintomas podem existir ou ser características associadas, mas só as doenças podem ser comórbidas. Kaplan e Feinstein (1974) classificaram a comorbidade em três tipos:
1)- Comorbidade Patogênica = Quando determinada doença leva a outras complicações ou doenças com as quais está etiologicamente relacionada. Ex: o desenvolvimento de abuso de álcool devido ao uso repetido para aliviar a disforia.
2)- Comorbidade Diagnóstica = Quando as manifestações da doença associada simulam as da doença index, podendo incluir sintomas, sinais ou resultados de exames complementares. Ex: um paciente psiquiátrico pode apresentar dificuldade de concentração provocada por depressão ou por transtorno de ansiedade generalizada simultâneos.
3)- Comorbidade Prognóstica = Quando houver doenças que predispõem o paciente a desenvolver outras doenças. Ex: o risco maior de alcoolismo em um paciente que tenha transtorno de pânico mais depressão.
Comorbidade e Classificação: As classificações atualmente utilizadas (CID-10 e DSM-IV) baseiam-se no modelo médico que adota o paradigma neokraepeliniano. Empregado na pesquisa e nosologia psiquiátricas a partir de 1970. Defende a existência de transtornos mentais múltiplos e distintos, e utiliza critérios operacionais para fornecer diagnósticos de natureza categorial. Muitas das inovações introduzidas no DSM-III (APA, 1980), no DSM-III-R (APA, 1987) e, no DSM-IV (APA, 1994), resultaram numa maior probabilidade de ocorrência de comorbidade. Isto se deve a diversas razões:
- Maior Cobertura Diagnóstica: Um maior número de categorias antes inexistentes, maior a probabilidade de um paciente preencher os critérios para um diagnóstico e tornar-se "caso", assim como apresentar comorbidade.
- Fragmentação dos Diagnósticos: A divisão de categorias mais abrangentes em vários transtornos separados. O DSM -IN descreve 12 tipos de transtorno de ansiedade, 10 de transtornos de humor e 11 de personalidade. Categorias muito restritas cuja associação entre si reflita apenas a fargmentação excessiva a que foram submetidas.
- Eliminação de Hierarquias Diagnósticas:
Incentiva os diagnósticos múltiplos: Ex: depressão não exclui pânico, esquizofrenia não exclui fobia social.
Sistema Multiaxial:
Eixo I: Síndrome clínica
Eixo II: Transtorno de personalidade.
- Utilização de Entrevistas Semi-Estruturadas: Os DSMs promovem uma "varredura" em praticamente todas as áreas da psicopatologia. Enquanto a entrevista clínica privilegia a síndrome de apresentação mais proeminente, aumenta o número de diagnósticos e a chance de comorbidades.
- Sobreposição de Critérios: Dois ou mais transtornos terem critérios comuns aumenta a chance de comorbidade. A validade discriminativa deve ser privilegiada.
- Limitar Para Determinar a Presença de Critério: Ou do número de critérios para se preencher um diagnóstico.
DSM-IV - critérios mais rigorosos: transtorno de pânico;
DSM-IV - critérios menos rigorosos: depressão maior, abuso da substância, transtornos de personalidade.
- Modelo Categorial x Dimensional: O modelo categorial aumenta o número de comorbidades. Uma vez retirados grupos homogêneos (Transtorno de Pãnico) do campo mais abrangente (Transtorno de Ansiedade), restam categorias limítrofes e residuais de difícil classificação (ansiedade generaliada, ansiedade não especificada), que são tomadas como reais e adquirem o status de um novo tratamento.
- Tempo Avaliado no Estudo: Estudos de corte transversal (prevalência no ponto) tendem a obter menos comorbidade do que estudos longitudinais que consideram períodos variáveis, que vão de semanas a toda a vida (lifetime prevalence).
Comorbidades Psiquiátricas em Pacientes com Dependência de Álcool e Outras Drogas
Efeitos Negativos:
* Uso frequente e de pequenas doses pode levar a consequências mais sérias que as vistas na população sem comorbidade;
* Hostilidade, ansiedade, depressão e alucinações, abandono das medicações;
* Emergência psiquiátrica e internação;
* Maior tempo no hospital;
* Taxas de detenção por atos ilegais;
* Falta de moradia;
* Impacto financeiro.
Epidemiologia:
* Prevalências de 0,5% à 75%.
As variações dependem da amostra investigada, dos tipos de estudos, dos métodos de avaliação, das definições adotadas, características sócio-demográficas e da disponibilidade de substâncias psicoativas na comunidade.
População Heterogênea:
* Sub-Tipos:
- combinações entre os transtornos mentais e as substâncias psicoativas utilizadas;
- idade de início do transtorno;
- gravidade do quatro;
- duração do uso da substância e do transtorno mental.
Incidência Aumentando?:
- disponibilidade de substâncias psicoativas;
- desinstitucionalização;
- priorização de cuidados de saúde na comunidade.
Diagnóstico:
* Dificuldades:
- diagnóstico primário X induzidos;
- sintomas comuns ou inespecíficos;
- critérios diagnósticos utilizados: CID-10 e DSM-IV;
- método de detecção do uso de substâncias - questionários com objetivos específicos como triagem, acompanhamento clínico, diagnóstico, complicações clínicas não psiquiátricas, dados de prontuário, entrevistas familiares e análise de amostras de urina.
* Diagnóstico Adequado:
- o objetivo principal é facilitar a abordagem terapêutica e estratégia de prevenção de recaída.
1)- História familiar e questões específicas sobre possíveis disturbios psiquiátricos. As informações devem ser colhidas junto ao paciente e também a familiares e amigos.
2)- Exames laboratoriais, incluindo alterações típicas de consumo crônico de álcool, alterações metabólicas e hormonais, doenças infecto-contagiosas, exames neurológicos e detecção de drogas na urina. A escolha e seleção dos exames devem levar em consideração a história do indivíduo e o perfil de consumo de substâncias psicoativas.
3)- Questionários ou testes direcionados, gerais ou específicos.
4)- Testes psicológicos. O mais utilizado é o Inventário de Beck para depressão. Outros testes específicos serão utilizados de acordo com a necesidade de diagnóstico diferencial.
5)- Observação clínica. Uma vez que o diagnóstico diferencial pode ser dificultado dureante o período de consumo da substância psicoativa, é de grande valia a observação durante o período de desintoxicação. A persistência ou não de sintomas psiquiátricos após este período pode facilitar o correto diagnóstico.
6)- Conhecimento adequado e aplicação dos critérios diagnósticos da CID-10 e do DSM-IV, para detecção das principais comorbidades associadas à dependência química.
* Tratamento:
- organização de serviços:
() - Psiquiatria Geral x Dependência Química;
() - Necessidade de abordagem integrada: usar estratégias de manejo biopsicossocial;
() - Sinergismo: melhorando o quadro psiquiátrico em conjunto com o abuso de substâncias psicoativas: redução de risco de recaídas e melhor qualidade de vida;
() - Tratamento sequêncial (iniciando pelo quadro mais agudo) ou paralelo (dois diferentes settings) parecem ser menos eficazes.
Como estratégias de manejo biopsicossocial, temos que considerar:
# A combinação específica da comorbidade e o estágio de motivação ao escolher o melhor método de tratamento;
# O uso de farmacopéia para o tratamento do transtorno psiquiátrico, desintoxicação e fase inicial de recuperação e prevenção de recaída.
# O uso de técnicas psico ssociais para aumentar a motivação, auxiliar na resolução de problemas ambientais e no manejo de situações difícieis.
# O fornecimento de apoio familiar e informação sobre tratamento adicional de apoio.
# Apoio psiquiátrico para o controle de sintomas psicóticos, mania e depressivos com ou sem risco de suicídio.
Diagnósticos Psiquiátricos Adicionais Mais Comuns Entre pacientes Usuários de Substâncias Psicoativas:
Eixo I
* Distúrbios de Humor: Depressão Maior, Distimia e Transtorno Bipolar I.
* Distúrbios da Ansiedade: Fobia Simples, Fobia Social, Pânico, Transtorno Obsessivo-compulsivo e Transtorno de Ansiedade Generalizada.
* Distúrbios Alimentares: Bulimia Nervosa e Anorexia Nervosa.
* TDAH: Esquizofrenia e outrso transtornos psicóticos.
Eixo II
Em homens - anti-social, paranóide, borderline, evitativo.
Em mulheres - anti-social, borderline, evitativo, dependente e histriônico.
Fobia Social
* Critérios Diagnósticos Para Fobia Social:
A)- Medo ou temor acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, onde o indivíduo é exposto a pessoas estranhas ou a possível escrutínio por outras pessoas. O indivíduo teme agir de um modo (ou mostrar sintomas de ansiedade) humilhante e embaraçoso para si próprio.
B)- A exposição à situação social temida, quase que invariavelmente provoca ansiedade, que pode assumir a forma de um Ataque de Pânico ligado à situação ou predisposto por situação.
C)- A pessoa reconhece que este medo é excessivo ou irracional.
D)- As situações sociais e de desempenho temidas são evitadas ou suportadas com intensa ansiedade e sofrimento.
E)- A esquiva, antecipação ansiosa ou sofrimento na situação social ou de desempenho temida interferem significativamente na rotina, funcionamento ocupacional (acadêmico), atividades sociais ou relacionamentos do indivíduo, ou existe sofrimento acentuado por ter a fobia.
F)- Em indivíduos com menos de 18 anos, a duração mínima é de seis meses.
G)- O temor ou esquiva não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou de uma condição médica geral, nem é melhor explicado por outro transtorno mental.
* Caso Clínico:
Engenheiro, 40 anos, solteiro. Foi uma criança retraída, timida e inibida. Sempre teve dificuldades nos relacionamentos interpessoais. Ir a uma festa gerava um desconforto tão intenso que era descrito pelo paciente como "uma estratégia". Trabalhar também era difícil, já que o simples contato diário com os colegas desencadeava sintomas ansiosos - o coração acelerava, ficava com as mãos frias e suadas. Nas reuniões com a chefia praticamente não falava; sentia-se todo o tempo como o centro das atenções apesar de ficar quieto e isolado. O constrangimento era enorme. Começou a consumir álcool aos 22 anos; no início para desinibir e conseguir se aproximar das mulheres. Com o tempo passou a beber diariamente antes de ir para o trabalho, para diminuir a ansiedade. Devido ao abuso do álcool, foi demitido da empresa após 08 anos de serviço. Em outros dois empregos foi demitido após discutir com o chefe, incentivando pelo álcool. Iniciou tratamento com clonazepam para fobia social até 04mg/dia, com melhora moderada da fobia social após um ano de tratamento. Não voltou a abusar do álcool após iniciar o tratamento.
*Relacionamento Possíveis:
1 - A Fobia Social pode "causar" o abuso de álcool devido à automedicação.
2 - A Fobia Social pode "causar" o abuso de álcool através de outro mecanismo além da automedicação. A Fobia Social pode ser um dentre vários fatores causais.
3 - Tanto a Fobia Social quanto o abuso de álcool podem ser causados por algum terceiro fator subjacente e não terem nenhum relacionamento direto entre si.
4 - A Fobia Social pode aumentar a gravidade do abuso de álcool e, portanto, levar a um aumento da procura de tratamento, sem ter nenhum papel na etiologia do abuso de álcool.
5 - A Fobia Social e o abuso de álcool podem coexistir por coincidência, sem terem nenhum relacionamento.
6 - A Fobia Social pode ser um efeito tóxico do uso ou da abstinência do álcool, devendo resolver rapidamente com o fim da abstinência.
* Teoria da Automedicação:
- Propõe que o portador de um quadro de ansiedade descobre, por experiência própria, que o álcool é capaz de suprimir ou reduzir os sintomas que o incomodam.
- Esta solução, eficiente a princípio, torna-se mal-adaptativa à medida que se desenvolve tolerância e surgem os sintomas de abstinência. Por fim, a síndrome de dependência ao álcool complica e agrava a Fobia Social.
Depressão Maior
* Critérios Para Episódio Depressivo Maior:
A)- Cinco (ou mais)dos seguintes sintomas estiverem presentes durante o mesmo período de duas semanas e representam uma mudança no funcionamento anterior. Pelo menos, um dos sintomas é (1) humor deprimido ou (2) perda do interesse ou prazer.
1 - Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo (por ex., sente-se triste ou vazio) ou observação por outros (por ex., parece prestes a chorar).
2 - Interesse ou prazer acentuadamente diminuídos por todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase todos os dias (indicado por relato subjetivo ou observação feita por outros).
3 - Perda ou ganho significativo de peso quando não está realizando dieta (por ex., uma mudança de mais de 5% do peso corporal em 01 mês).
4 - Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
5 - Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias.
6 - fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
7 - Sensação de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que pode ser delirante) quase todos os dias (não meramente auto-reprovação ou culpa por estar doente).
8 - Capacidade diminuída para pensar ou concentrar-se, ou indecisão, quase todos os dias (por relato subjetivo ou observado por outros).
9 - Pensamentos recorrentes sobre morte (não apenas o medo de morrer), ideação suicida recorrente sem um plano específico, ou uma tentativa de suicídio ou um plano específico para cometê-lo.
B)- Os sintomas não são melhor explicados por Luto, isto é, após a perda de alguém amado, persistem por mais de 02 meses ou são caracterizados por acentuado comprometimento funcional, preocupação mórbida com inutilidade, ideção suicida, sintomas psicóticos ou retardo psicomotor.
Transtorno de Personalidade Borderline
* Critérios Diagnósticos para Transtorno de Personalidade Borderline:
Um padrão invasivo de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos e acentuada impulsividade, que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes critérios:
1 - Esfoprços frenéticos para evitar o abandono real ou imaginãrio.
2 - Um padrão de relacionamentos ionterpessoais instáveis e intensos, caracterizados por extremos de idealização e desvalorização.
3 - Perturbação da identidade: isntabilidade acentuada e persistência d auto-imagem ou do senso de self.
4 - Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais a própria pessoa (por ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias psicoativas, direção imprudente, comer compulsivamente.
5 - Comportamento, gestos ou ameaças suicidas recorrentes ou comportamento automutilante.
6 - Instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (por ex., intensa disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade, geralmente durando algumas horas e, apenas raramente mais de alguns dias).
7 - Sentimentos crônicos de vazio.
8 - Raiva inadequada e intensa ou dificuldade para controlar raiva (por ex., demonstrações frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes).
9 - Ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou severos sintomas dissociativos.
Transtorno de Personalidade Anti-Social
* Critérios Diagnósticos para Transtorno de Personalidade Anti-Social: Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, ocorrendo desde os 15 anos, como indicado por três (ou mais) dos seguintes critérios:
1 - Fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, como indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo para detenção.
2 - Propenso a enganar, como indicado por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros, para obter vantagens pessoais ou prazer.
3 - Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4 - Irritabilidade ou agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas.
5 - Drresponsável pela segurança própria ou alheia.
6 - Irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras.
7 - Ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltradado ou roubado de outra pessoa.
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