terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

ARQUIVO:Enxaqueca - Uma Dor Que Sobe a Cabeça

O neurologista inglês Oliver Sacks lança um livro sobre a dor que acomete 20% da população mundial e inspirou romancistas como Tolstói e filósofos como Pascal.
Um paciente de pouco mais de 30 anos, acometido de fortes crises de enxaqueca, só melhora quando empreende uma atividade física extenuante. Se estiver em casa, procura a mulher para "relações sexuais vigorosas"; na rua, entre em discussões ou provoca brigas físicas.
Para o neurologista Oliver Sacks, professor da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, esse caso, um dos muitos que ele relata no livro "Enxaqueca" (recém-lançado pela Companhia das Letras), mostra como podem ser inusitadas as saídas ebcontradas pelas vitimas da enxaqueca para lidar com uma doença que até hoje confunde os médicos e continua incurável, embora não mate ninguém.
Apesar dos medicamentos surgidos nos últimos anos, e que apenas aliviam os sintomas, quem sofre de enxaqueca (04 à 08% dos homens e 16 a 22% das mulheres nos Estados Unidos e na Europa) vive à espera da droga definitiva para minorar a doença, caracterizada sobretudo - mas não exclusivamente - por uma dor intensa e latejante nas têmporas. Em 60% dos pacientes, a dor, associada a uma dilatação dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro, atinge apenas o lado esquerdo da face, enquanto 40% dos casos ataca dos dois lados.
A Doença É Muito Mais Que Uma Dor de Cabeça
O medo é uma das consequências nefastas da enxaqueca, informa Sacks que, aos 63 anos, já tratou de mais 1.200 pacientes com a doença e cujo livro tornou-se um clássico sobre o tema (a primeira edição é de 1972 e a última, no Brasil em 1996, traz extenso acréscimo sobre avanços recentes no tratamento). Muitos enxaquecosos, sobretudo os jovens que têm uma crise pela primeira vez, não entendem o que está acontecendo e apavoram-se, pensando que estão tendo um derrame, um tumor cerebral ou até um ataque de loucura. Ainda mais porque, em muitos casos, acontecem verdadeiras alucinações visuais, que podem até parecer experiências esotéricas.
A atitude comum entre a maioria dos médicos e pacientes ainda é a de considerar a enxaqueca uma forma agravada e recorrente de dor de cabeça, em geral acompanhada de vômito e disturbios de visão. Para Sacks, porém, "a doença é muito mais do que isso. Ela deve ser vista de forma abrangente", explica, "como um acontecimento fisico que também pode ser emocional ou simbólico".
- "A enxaqueca expressa necessidades fisiológicas e emocionais, sendo o protótipo de reação psicofisiológica. Para entendê-la, é preciso basear o raciocínio na neurologioa e na psiquiatria".
O neurologista Abouch Krymchantowski, diretor do Centro de Tratamento da Dor de Cabeça e membro da International Headache Society, diz que há mais de cem tipos de dor de cabeça.
Na Enxaqueca, O Doente se Vê Como Num Pesadêlo
Mas o interesse pela enxaqueca deve-se ao fato de ela ser um tormento para milhões. Embora quase 30% da população adulta mundial sofra de dores de cabeça crônicas (a de origem tensional é a mais frequente e se verifica em 80% dos casos), a enxaqueca causa incapacitação temporária.
No fenômeno conhecido como Aura de Enxaqueca, por exemplo, a pessoa sente-se como se estivesse tendo um pesadelo diurno. Existe uma experiência alucinatória que é dificil aceitar. Uma paciente de Sacks, de 25 anos, teve uma aura durante uma consulta. Por 45 minutos, riu sem parar e teve diminuida sua capacidade de usar linguagem. Ao recobrar-se, desculpou-se com as seguintes palavras: "Não sei do que estava rindo, não pude evitar".
As variedade de sintomas pode confundir os médicos, embora a maioria dos pacientes se queixam de intolerância à luz, aos ruídos e aos odores, e apresentam crises que duram de duas a 72 horas, até duas vezes por semana. Há pessoas que chegam a interromper atividades por causa das crises, como a secretária Maria de Lourdes Silveira, 45 anos, que sente os primeiros sinais de enxaqueca às sextas-feiras, depois do expediente, e passa muitos fins de semana de cama.
O Tratamento Exige Drogas E Mudança De Hábitos De Vida
Maria de Lourdes ja peregrinou por diversos consultórios médicos e agora está experimentando Ioga. Ela acha que o estresse pode estar na raiz da sua enxaqueca, mas ainda não se livrou das crises com a Ioga.
Sacks relata casos de homens que só se sentem bem trabalhando, mesmo no auge de crises de enxaquecas, e lembra que Freud tinha enxaqueca. Uma coisa é certa: a enxaqueca não tira a criatividade de ninguém. O russo Leon Tolstói escreveu o clássico "Guerra e Paz" em meio às dores da enxaqueca e o inglês Lewis Carrol usou seus delírios visuais como inspiração para cenas de "Alice no país das maravilhas". Antes deles, o filósofo e físico Pascal passou parte dos seus 40 anos de vida tendo ilusões em que via desaparecer, como num precipício, tudo o que encontrava à sua esquerda. Daí surgiu a expressão "l'abîme (o abismo) de Pascal". É comum que a enxaqueca se repita numa mesma família e atinja mais as mulheres, provavelmente por causa da diminuição dos níveis de serotonina, um neurotransmissor cerebral.
- "A disfunção bioquímica produz inflamação das artérias das meninges e extra-cranianas. Como há pouca serotonina, a dor é mais intensa" - explica Krymchantowski.
O tratamento da enxaqueca exige uso de substâncias químicas em caráter diário ou preventivo, quando as crises ocorrem com frequencia, além de modificação da hábitos de vida.
Alguns Alimentos E Cheiros Desencadeiam As Crises
É preciso prevenir o estresse dormir bem e evitar variações de temperatura. para muita gente, determinados alimentos desencadeiam as crises e uma dieta pode acabar com elas. Os maiores vilões costumam ser os queijos amarelos envelhecidos (que contém tiramina), frutas cítricas, banana, linguiças, alimentos com conservantes (nitritos e nitratos), frituras, chocolates (que contém feniletilamina), café, chá e álcool. Krymchantowski explica que o tratamento da enxaqueca pode ser preventivo ou sintomático. Na prevenção pode-se indicar o uso de medicamentos betabloqueadores (substâncias usadas com frequência em hipertensos e portadores de doenças cardíacas), antidepressivos e bloqueadores dos canais de cálcio.
Outras novidades são a riboflavina e a capsaicina (derivada da pimenta vermelha). Também são indicados exercícios de alongamento e relaxamento da cabeça e pescoço, aplicação de calor, massoterapia, biofeedback (técnica que permite ao próprio paciente controlar a dor) e estimulação elétrica transcutânea (TENS). Os derivados da ergotamina devem ser usados com restrições, pois podem transformar uma exaqueca intermitente em dor crônica diária. Na lista das drogas mais modernas, algumas ainda não receberam nome comercial, como o 311C90 (zolmitriptan), o S9977, o MK462 e o SSRJ. Em Israel e nos EUA, há quem recorra a um supelmento à base da erva matricária (Tanacetum Parthenium).
- "Essas substâncias, apesar de serem eventualmente eficazes, devem ser usadas o mínimo possível pelos doentes" -0 adverte Abouch Krymchantowski.
Os numeros no Brasil (pesquisa realizada com 3 mil brasileiros portadores de dor de cabeça crônica)
* Sentem dor durante o dia - 88,6%
* Acham a dor insuportável - 87,6%
* Excesso de atividade profissional - 75,6%
* Sempre sentiram dor - 74,5%
*Têm mais de um episódio por semana - 72,8%
* Têm pelo menos um parente com cefaléia crônica - 67,3%
* Dizem que bebidas, até em doses pequenas, causam dor - 64%
* Acreditam sentirem mais de um tipo de cefaléia - 63%
* Não temn idéoia da causa - 61,1%
* Esquece coisas com frequência - 60,5%
* Não têm vida sexual normal por causa da dor de cabeça - 60,2%
* Consideram-se angustiados - 56,8%
* Casados (ofialmente ou não) - 55,2%
* Consideram-se deprimidos - 49,3%
* Mulheres no período menstrual - 48,5%
* Fumantes - 20,7%
* Tomam bebidas alcoólicas regularmente - 10,4%
Fonte: Associação Brasileira dos Portadores de Dor de Cabeça e do neurologista Abouch Krymchantowski
Por Dentro Das Dores de Cabeça
Dor de cabeça, náusea. Em seguida, uma sensação generalizada de desortem. A dor aumenta quando vem um acesso de tosse, diminui quando se deita. Em alguns casos, dura 15 minutos; noutros, um dia; nos mais comuns, três horas. Nos casos mais graves, as têmporas latejam. Os sintomas variam, assim como as descrições médicas, mas num ponto a enxaqueca parece imutável: os seus acessos continuam a assombrar pacientes de todas as classes e idades, sem remédio à vista, exatamente como nos últimos 15 séculos.
Enxaqueca: 20%
- Dor forte, geralmente em apenas um lado da face, pulsátil e agravada por atividade física; pela de aspecto pálido; náusea e vômito.
- Sintomas de Aura (fase inicial que se caracteriza por alterações visuais, formigamento e dormência da face) ocorrem em 20% dos ataques.
- Intolerância à luz e ao barulho.
Dor Por Tensão: 80%
- Dura em média 30 minutos a uma semana.
- Intolerância à luz e ao barulho.
- Pode variar de intensidade durante o dia, dor em peso ou pressão, localização nos dois lados da face.
- Pode estar associada ao estresse, sintomas de ansiedade e depressão são comuns.
Dor Em Ondas: 1%
- Pode ocorrer sempre nas mesmas horas da noite, dor lancinante ao redor dos olhos, a dor pode se irradiar para a têmpora, queixo, nariz e dentes.
- Queda da pálpebra, lacrimejamento.
- Pode atingir os dois lados da face.
- Conjestão nasal.
- Face avermelhada.
- Ataque precipitado por bebida alcoólica, ar frio ou quente e substâncias vasodilatadoras.
Abstinência de Analgésicos: 02%
Ocorre todo dia, persistindo por horas.
- A dor pode diminuir com o uso de analgésicos; indivíduos que se medicam pelo menos uma vez por dia correm mais riscos.
- A dor pode ser suave ou moderada, nos dois lados da face, atingindo a área frontal, piora se a medicação é interrompida, a dor aparece ao despertar.
Hemicrânia Crônica: 0,8%
- O ataque pode ser precipitado por movimentos com a cabeça.
- Congestão nasal, leve queda e edema das pálpebras e lacrimejamento.
- Dor intensa na fronte e na têmpora, a dor irradia-se para o ouvido, pescoço e ombros.
- Dura em média um a três minutos, pode ocorrer até 14 vezes por dia e pode causar náusea e vômito.
A Dor De Cabeça Entre os Sexos
- Homens - 22,7%
- Mulheres - 77,3%
Dicas Para Evitar O Mal
- Evite dormir até tarde nos fins de semana. Acorde à mesma hora durante todos os dias. Dormir mal pode desencadear dor de cabeça.
- Quem sofre de dores de cabeça frequentes deve evitar alimentos como queijo, chocolate, frutas cítricas e vinho tinto. eles contêm substâncias que estimulam as crises.
- Use técnicas de relaxamento e de combate ao estresse, como biofeedback e eletroestimulação transcutânea.
- Não use travesseiro muito alto e evite falar ao telefone e escrever ao mesmo tempo. Isto provoca tensão muscular.
- Mantenha a boa postura. Evite assistir à TV deitado. Sente-se corretamente.
- Não deixe de fazer suas refeições por conta própria. Quando o teor de açúcar no sangue está baixo, pode ocorrer dor de cabeça.
- Evite usar frequentemente analgésicos. Eles podem causar um tipo de dor de cabeça cahado de rebote. O organismo exige cada vez mais medicação, gerando um círculo vicioso.
Visão Em Mosaico - é aquela em que a imagem é fracionada em facetas irregulares, de tamanho variado. Quando as facetas são maiores, o mundo visual adquire a aparencia de um mosaico clássico ou até mesmo uma aparência cubista.
Tunel ou Funil - nesta visão, a aura assumiria, caso fosse registrada em computador, um padrão de ondas concêntricas ou em forma de espiral. A distorção da imagem visual é similar à experimentada durante alucinações por consumo de drogas.

Visão Trêmula - é outra alucinação elementar comumente experimentada por pacientes de enxaqueca. Ocorre uma ondulação do campo visual, que os pacientes podem comparar a uma superfície aquática agitada pelo vento ou ao olhar através de um retalho de seda salpicada de água.

Bordas Cintilantes - nessa visão de um paciente com aura de enxaqueca, a imagem aparece ofuscada por uma superficie branca, com as bordas apresentando cintilações contínuas. O paciente observa "manchas luminosas" passando através de seu campo visual dois ou três dias antes de cada acesso.

Helliete Vaitsman

Antônio Marinho

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